Luis Henrique Albernaz Sirico
CHAKIÑAN. Revista de Ciencias Sociales y Humanidades / ISSN 2550 - 6722 225
2002; Nikulin 2020), que se desdobra hoje no
Brasil em 274 línguas autodeclaradas (Instituto
Brasileiro de Geograa e Estatística 2010),
aproximadamente 150-160 línguas considerando
o cálculo de Glaucio, Moore & Voort van der
(2018).
A análise linguística e o trabalho antropológico
contemporâneo permitiram, para a composição
de gramáticas e sintaxes indígenas (e.g. Seki
2000), uma compreensão maior da potência do(s)
pensamento(s) de ao menos 305 grupos indígenas
que habitam o Brasil. Estes emprestam(ram),
ao longo dos séculos, seus conhecimentos/
perspectivas tradicionais à cultura tradicional/
hegemônica brasileira (e.g. Barbosa & Devos
2017; Fagundes 2019; Sautchuck 2007).
Essas novas possibilidades confrontam e
desconstroem diversos modelos tradicionais
da arqueologia, e permitem a construção de
outros novos, centrados em perspectivas mais
adequados aos contextos indígenas e de suas
historiograas especícas (e.g. Cabral 2014;
Fausto & Heckenberger 2007; Green, Green &
Neves 2003; Hornborg & Hill 2011; Neves 1999,
2006; Santos-Granero 1998; Silva 2002, 2012;
Whitehead 2003) – e inspiram novos caminhos,
como os bien vivir/sumak kawsay/suma qamaña/
teko porã (Bolivia, 2009; Ecuador, 2008; v.
Quijano 2014b).
Sucede-se a essa reexão dos contextos locais
indígenas: como forma de conceber a realidade
sociocultural assim como ela é, ou de encurtar/
aproximar essa distância/percepção/assimetria.
Com base numa etnografía (v. Castro de
1996) e no contexto dos materiais amazônicos
acumulados até a década de 70 do século XX,
a antropologia brasileira produz um conceito
interessante, suscitando reexões sobre os
contextos de construção das histórias locais,
por meio da tradição oral e do entendimento
das línguas indígenas – conceitual, semântico,
linguístico, e em questionamento aos parâmetros
ocidentais de interpretação da realidade do
mundo – o perspectivismo ameríndio.
O perspectivismo apresenta uma nova forma
de interpretação da realidade local por meio
de uma transição interpretativa de elementos
associados ao corpo/cultura, passando à crítica
do multiculturalismo, um paradigma antecessor,
como ainda sendo uma interpretação etnocêntrica
das realidades amazônicas, para então propor
uma discussão multinatural, estabelecida a partir
de cosmologias/pensamentos não ocidentais,
ameríndias(os) (i.e. Seeger, DaMatta e Castro
de 1979).
Essas novas possibilidades remetem a uma
reinterpretação dos modelos arqueológicos,
por meio de uma crítica/ruptura aos modelos
construídos no passado, e como movimento/
deslocamento/transformação de suas propostas/
olhares (por muitas vezes tidos como sistemas
nais e universais de interpretação) para lugares
intermediários de construção do conhecimento
arqueológico hipotético/dedutivo; devem ser
inevitavelmente confrontados e regulados/
redenidos por meio e à luz de informações
ainda não disponíveis para as histórias
socioculturais locais e de dados empíricos ainda
não evidenciados pelas pesquisas arqueológicas,
elementos que estão sempre em processo de
construção.
Em síntese, a crítica à arqueologia no âmbito
dos paradigmas coloniais são caminhos para
uma autonomia das pessoas, povos, culturas
e histórias não-dominantes, por meio de
uma discussão sobre subdesenvolvimento/
dependência, auto-armação/soberania,
políticas públicas, identidade/etnicidade,
territórios/territorialidades, histórias/culturas
locais, dominação/submissão/escravização,
decolonialidade/descolonização, patrimônio
cultural, etc. – suas transformação(ões)/
continuidade(s)/hiato(s).
É preciso pontuar ainda a questão das
continuidade e mudança socioculturais, talvez
para além da teoria arqueológica: considerando
a interessante perspectiva da posição do
arqueólogo/pesquisador como ego de seu próprio
campo, em um sentido etno- de sua pesquisa, e
de mesmo modo, sua posição como pesquisador
em um contexto de pesquisa alter, de outro ao
seu próprio (alteretno-) – diante dessas posições
de distância, proximidade e pertencimento,
relacionam-se pontos de uma continuidade no
olhar de um ego etno-, e de outro lado, a tradução