MODELOS ARQUEOLÓGICOS E AMÉRICA LATINA: UM
PONTO DE PARTIDA
ARCHAEOLOGICAL MODELS AND LATIN AMERICA: A
STARTING POINT
MODELOS ARQUEOLÓGICOS Y AMÉRICA LATINA: UN
PUNTO DE PARTIDA
DOI:
Artículo de Revisión
https://doi.org/10.37135/chk.002.17.14
Recebido: (30/09/2021)
Aceitado: (09/02/2022)
Aluno do Museu de Arqueologia e Etnologia, da
Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
lui22irico@gmail.com
Luis Henrique Albernaz Sirico
Número 17 / AGOSTO, 2022 (217-234)
MODELOS ARQUEOLÓGICOS E AMÉRICA LATINA: UM PONTO DE PARTIDA
Número 17 / AGOSTO, 2022 (217-234) 218
MODELOS ARQUEOLÓGICOS E AMÉRICA LATINA: UM
PONTO DE PARTIDA
ARCHAEOLOGICAL MODELS AND LATIN AMERICA: A
STARTING POINT
MODELOS ARQUEOLÓGICOS Y AMÉRICA LATINA: UN
PUNTO DE PARTIDA
Este artigo apresenta uma revisão bibliográca de estudos/trabalhos/experiências
de pesquisadores das ciências humanas com o objetivo de (re)visitar a produção de
conhecimento e prática prossional perpassando temas de interesse arqueológico (como
estratigraa; espaço e exercício de poder; [i]materialidade dos lugares e objetos; histórias
das populações humanas, das dinâmicas socioculturais, dos territórios; pessoas/indivíduos
produtores, artesãs[ãos], técnico-corporais), direcionada pelas questões dos modelos
teórico-metodológicos/interpretativos, e tangenciando uma história da América Latina.
A metodologia está relacionada a etnografías/relatos/falas sobre a posição do corpo do
arqueólogo, e outros pesquisadores em relação ao seu campo, permeado(s) pelo paradigma
da teoria da ciência/conhecimento, e a partir de experiências individuais associadas a um
contexto historiográco, e à formação das pessoas/prossionais em distintos horizontes
brasileiros. Ao nal do texto, espera-se uma contribuição a uma historiograa da prática
arqueológica brasileira, por questões políticas/empíricas. Chama-se atenção para os
meandros de sua potência atual para novas reexões cientícas (ou não) e para os novos
arqueólogos.
PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia, prática, conhecimento, América Latina, modelos
This paper presents a bibliographic review of studies/
works/experiences of researchers in the eld of humanities
with the aim of (re)visiting the production of knowledge
and professional practice through topics of archaeological
interest (such as stratigraphy; space and the exercise of
power ; [i]materiality of places and objects; histories of
human populations, socio-cultural dynamics, territories;
people/individuals producers, craftswomen(men), guided
by questions of theoretical- methodological/interpretive
models, entangled in a Latin America´s history. The
methodology is related to ethnographies/reports/
discourses on the position of the body of the archaeologist,
and other researchers in relation to their eld, permeated
by the theory of science/knowledge, and from individual
experiences associated with a historiographical context.
of the formation of people/professionals in dierent
Brazilian horizons. At the end of the text, a contribution to
the historiography of the Brazilian archaeological practice
is expected, for political/empirical reasons. Attention is
drawn to the complexities of its current potential for new
scientic thinking (or not) and for new archaeologists.
KEYWORDS: Archaeology, practice, knowledge, Latin
America, models
Este artículo presenta una revisión bibliográca de
estudios/trabajos/experiencias de investigadores en
humanidades con el objetivo de (re)visitar la producción
de conocimiento y práctica profesional a través de temas
de interés arqueológico (como la estratigrafía; el espacio
y el ejercicio del poder; [i]materialidad de lugares y
objetos; historias de poblaciones humanas, dinámicas
socioculturales, territorios; personas/individuos
productoras(es), artesanas(nos), técnico-corporales),
guiados por cuestiones de modelos teórico-metodológicos/
interpretativos, y enredados en una historia de América
Latina. La metodología se relaciona con etnografías/
informes/discursos sobre la posición del cuerpo del
arqueólogo, y otros investigadores en relación a su campo,
permeada(s) por la teoría de la ciencia/conocimiento, y a
partir de experiencias individuales asociadas a un contexto
historiográco de la formación de personas/profesionales
en diferentes horizontes brasileños. Al nal del texto,
se espera una contribución para la historiografía de la
práctica arqueológica brasileña, por razones políticas/
empíricas. Se llama la atención sobre las complejidades
de su potencia actual para el nuevo pensamiento cientíco
(o no) y para los nuevos arqueólogos.
PALABRAS CLAVE: Arqueología, práctica,
conocimiento, América Latina, modelos
RESUMO
ABSTRACT RESUMEN
Luis Henrique Albernaz Sirico
CHAKIÑAN. Revista de Ciencias Sociales y Humanidades / ISSN 2550 - 6722 219
INTRODUÇÃO
Em 1937, Lévi-Strauss (2019 [1937]:21)
profere discurso a trabalhadores de um sindicato
francês, em que trata da ethnography as a
revolutionary science”, da revolutionary nature
of ethnographye de sua percepção desse campo
como “personal experience”.
O autor dos trechos é um antropólogo europeu
que desenvolveu, em alguns poucos períodos de
trabalho de campo no Brasil, uma longa reexão
cientíca de construção de um conhecimento
especíco a partir desses materiais.
O artigo em tela tem como objetivo e é motivado
por uma discussão da experiência individual e
da prática prossional no campo da produção
do conhecimento arqueológico/histórico de
pessoas/pesquisadores do centro-sul brasileiro.
Por meio desse ânimo: abre-se um caminho de
discussão que perpassa a construção do corpo do
arqueólogo, primeiro como sujeito em um local/
espaço/país, e segundo, como agente ativo de sua
imaginação individual/cientíca/arqueológica.
É considerando essas questões, que se passa
a uma revisão dos paradigmas arqueológicos
vigentes, intermediada por uma discussão sobre
modelos teórico-metodológicos e interpretativos
esquemas muito presentes nas falas e textos
da arqueologia confrontada com uma realidade
histórica local, e a de uma formação do povo e
das pessoas da América Latina, da América do
Sul, e do Brasil.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste artigo consiste
em uma revisão/revisita bibliográca, não
minuciosa, centrada em etnograas (v. Lévi-
Strauss 2019 [1937];” e “Lévi-Strauss (2019
[1937]:21, 23); Ellingson & Ellis 2008) das
práticas arqueológicas e das ciências humanas,
em uma historiografía (v. Galloway 2006; Taylor,
Bogdan & DeVault 2016) parcial da produção
acadêmica brasileira; bem como na teoria da
ciência/conhecimento (Bloor 1998), assim como
apresentada por seu programa forte – tanto para
as questões da “experiência” “individual” (:62),
do pesquisador , e dos outros; quanto aos da
produção do conhecimento cientíco.
Busca-se uma representação das questões da
apreensão na experiência humana individual,
centrada na localidade e historiograa da
pessoa, pela sua proximidade com um campo,
no caso o latino-americano, e pela construção e
acúmulo de informações e saberes relacionados
às questões cognitivas do conhecimento – como
a etnografía em (Ellingson & Ellis 2008:449),
social constructionist approach that enables
critical reection on taken-for granted aspects of
society, groups, relationships, and the self” e seu
caminho como “a space in which an individual’s
passion can bridge individual and collective
experience to enable richness of representation,
complexity of understanding, and inspiration for
activism.
E, retomando ao jovem (v. Lévi-Strauss 2019
[1937];» e «Lévi-Strauss (2019 [1937]:21, 23)–
também como denição da etnograa percebida
aqui, como exemplo de sua experiência
individual para a discussão que se segue, e por
sua proximidade e construção especíca de
relação de alteridade, no tempo e espaço, com
os materiais latino-americanos e brasileiros (cf.
Peixoto 1998; Souza & Fausto, 2004) e de como
essa materialidade é dada na fala desse autor, os
precious documents” “for the ethnographer”.
A proposta é diretamente regida por uma
historicidade dos materiais bibliográcos dos
temas aqui tratados, associados a atuação pública
e produção acadêmica de diversas instituições:
Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade
Federal de Goiás (UFG); Museu Antropológico/
UFG; Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior
Indígena/UFG; Universidade Federal do
Tocantins (UFT); Centro de Desenvolvimento
Sustentável, da Universidade de Brasília (UnB);
Instituto de Letras/UnB; Instituto de Ciências
Sociais/UnB; Instituto de Estudos Latino-
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Americanos, da Universidade Federal de Santa
Catarina; Museu de Arqueologia e Etnologia,
da Universidade de São Paulo (USP); Núcleo
de História Indígena e do Indigenismo/USP;
Faculdade de Filosoa, Letras e Ciências
Humanas/USP.
Assim, o pano de fundo e objetivo tratam de
uma construção delineada pelo pensamento
brasileiro das ciências sociais e da arqueologia,
centrados em alguns desenvolvimentos de suas
duas últimas décadas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Estabelece-se aqui uma premissa historiográca
para a discussão que segue: o constante
revisionismo crítico da história das pessoas e
dos povos do mundo é fator essencial para o
entendimento de suas dinâmicas socioculturais
e de formação.
A ideia da materialidade da história como
registro do passado e da limitação da capacidade
dos atores que a contam ao abraçar essa
materialidade e a revisão como reformulação
constante do conhecimento produzido a partir
do conhecimento acumulado, por meio dos
paradigmas epistemológicos em vigência,
com atuação distinta em diferentes momentos/
tempos.
Ao conhecimento acumulado pela experiência
dos atores/pesquisadores existe ainda um
campo de reexão que sobrepassa o espaço das
epistemologias.
No campo da história, e em sua materialidade
estratigráca recorta-se a questão brasileira,
em discussão no âmbito da formação dos povos
americanos. O ponto de partida trata da rede
intrincada de uma formação latino-americana
e de sua materialidade na história do mundo
(Bomm 2013; Dussel 1994; Gonçalves 2016;
Gonzalez 1988; Ribeiro 1988).
Para tanto, Quijano (2014a:801-802) aponta
para uma história muy distinta”: da colonização
dos povos da América e de sua aglutinação em
categorias generalizantes; com a composição
da primeira identidad geocultural moderna
y mundial”, em contraposição a uma segunda,
a da Europa constituída com o sacrifício da
primeira (exploração do trabalho, apropriação
tecnológica, obtenção de produtos locais, etc.).
E, sua percepção política da experiência, a partir
de uma reexão epistemológica do processo
político latino-americano (Quijano 2014a:827-
828):
No es, pues, un accidente que hayamos
sido, por el momento, derrotados en ambos
proyectos revolucionarios, en América y en
todo el mundo. Lo que pudimos avanzar y
conquistar en términos de derechos políticos
y civiles, en una necesaria redistribución
del poder, de la cual la descolonización
de la sociedad es presupuesto y punto de
partida, está ahora siendo arrasado en el
proceso de reconcentración del control del
poder en el capitalismo mundial y con la
gestión de los mismos funcionarios de la
colonialidad del poder.
Neste contexto é incongruente pensar uma
história nacional, seja brasileira e/ou dos países
latino-americanos vizinhos, sem a incorporação
das histórias indígenas locais e das histórias
dos povos em diáspora, considerando os povos
africanos, forçadamente deslocados, e os povos
colonizadores, exploradores e expropriadores.
À construção do pensamento arqueológico
local, regional e nacional não cabe a/o exclusão/
afastamento desses povos em sua discussão; a
eles, as epistemologias que contribuem para a
produção histórica do conhecimento humano,
devem sua atenção e interesse.
Sob risco de não considerá-los, existe uma
perspectiva de manutenção de disciplinas sem-
crítica, não-reexivas; sem-diálogo com seus
povos originários/formadores.
Abre-se, então, um pequeno complemento
sobre a formação de alguns dos paradigmas
epistemológicos das ciências humanas. Recorta-
se aqui a disciplina arqueológica e o pensamento
arqueológico em referência ao estabelecimento
de seus três paradigmas principais (Trigger 2006;
para perspectivas da arqueologia brasileira, v.
Luis Henrique Albernaz Sirico
CHAKIÑAN. Revista de Ciencias Sociales y Humanidades / ISSN 2550 - 6722 221
Alves 2002; Barreto 1998): histórico-cultural,
processual e pós-processual.
No nal do século XIX, o paradigma
predominante trata da coleta de dados empíricos
e de questões indutivas para a construção de
uma história da(s) cultura(s) (e.g. Childe 1925).
A partir da década de 60 do século XX, tem-se o
processualismo, em termos de uma possibilidade
de construção do conhecimento, por meio de
programas teórico-metodológicos, que dariam
um caráter cientíco à disciplina arqueológica,
o novo conhecimento estabeleceu-se no âmbito
de uma nova arqueologia (e.g. Binford 1965).
Uma referenciada transição dos programas
de produção do conhecimento, está permeada
pelos novos paradigmas surgentes nas
décadas anteriores e nesse momento/período:
evolucionismo cultural/neoevolucionismo,
funcionalismo, materialismo, positivismo
lógico/neopositivismo, objetivismo, teoria dos
sistemas, linguística e ecologia cultural (e.g.
White 1975), associados a questões levantadas
por problemas e modelos hipotético-dedutivos.
Em ns da década de 1970 e início da de 1980,
surge o pós-processualismo, também como
crítica ao antecessor (o processualismo), por
meio de uma conuência de temas e questões
objetivas e subjetivas dos paradigmas anteriores,
em novas questões apontadas por correntes
das ciências humanas, em transformação/
revisão, e em surgimento (e.g. Hodder 1982):
marxismo/materialismo histórico, modernidade/
pós-modernidade, antropologia cultural,
estruturalismo, hermenêutica, idealismo(s),
antropologia interpretativa, antropologia
simétrica, para citar alguns dos caminhos e
em oposição ao conhecimento fundado nos
etnocentrismo, racismo, elitismo, colonialismo,
marginalização/exclusão, preconceito étnico/de
gênero, dominação/submissão.
A crítica pós-processual não elimina os
paradigmas anteriores. Continuam, de modo
não reexivo/crítico ou se readequando/
reestruturando no âmbito da reformulação
apresentada no novo contexto epistemológico.
Bem como, vale lembrar: as distâncias/
espaçamentos entre formulações teóricas e
realidades práticas, entre o pensar nos termos
de processualismos/pós-processualismos em
comparação aos dos resultados publicados de
uma pesquisa acadêmica, e desenvolvidos sobre
uma materialidade arqueológica especíca.
Apesar de serem quase sempre associados
ao período processual de desenvolvimento
da disciplina, os modelos arqueológicos
perpassam todos os paradigmas da arqueologia,
sendo uma ferramenta de construção do
conhecimento manejada pelo arqueólogo.
Entendidos como procedimentos explicativos
e analíticos da realidade arqueológica e do
registro arqueológico, permitiram uma série de
inferências de cunho hipotético e preparatório
(e.g. a questão da expansão do povo falante da
língua Tupi na Amazônia brasileira Almeida
& Neves 2015; Brochado 1989; Milheira &
DeBlasis 2014).
Os esquemas estabelecidos no período
processual receberam duras críticas por suas
características enviesadas, e por serem ns
em si, quase nunca confrontados com revisões
posteriores. Acusados de deconsiderar contextos
dos povos e pessoas estudados, principalmente,
quando associados aos modelos evolucionistas
e ecológicos culturais, e se distanciando de uma
empiricidade histórica.
Como adendo, o que parece importante é
aproveitar a materialidade do conhecimento
produzido, por estes paradigmas e considerar
um compromisso ético com os interlocutores/
povos originários envolvidos/relacionados no
âmbito de uma proposta de pesquisa.
A crítica aos pensamentos nocivos às reexões
das populações/povos locais ocorre de
forma generalizada nas ciências humanas,
impulsionados a partir de estudos literários
realizados entre as décadas de 70/80 do século
XX (e.g. Said 1978), bases iniciais para
uma crítica anticolonial em contexto global,
coincidentes com a emergência, e igualmente
formadores da crítica pós-processual.
Inicia-se uma reexão sobre os indivíduos
que produzem o conhecimento arqueológico,
suscitando questões éticas e da perspectiva
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de atuação prossional: nova necessidade
de entendimento político da posição e das
implicações das interpretações realizadas por
não-indígenas, estrangeiros contemporâneos
e colonizadores, e, considerando o campo de
atuação de trabalho, os prossionais (autônomos,
estudantes, servidores públicos, etc.) que se
expressam em alteridade a seu espaço de estudo/
trabalho.
Uma necessidade de questionamento constante
da arqueologia do e para o outro e exposição
da arqueologia feita pelo/de outro sobre seus
próprios contextos socioculturais.
E de mesmo modo, ocorre um processo (as)
simétrico de abertura dos espaços acadêmicos
para a consideração dos pensamentos locais, não
acadêmicos, tradicionais, amerindios/indígenas,
e das relações de alteridade estabelecidas pela
interferência/ingerência de países e povos, de
relações sociopolíticas e econômicas e do campo
das disputas de poder/autoridade.
Evocando uma imagem de espaço apresentada
por Smith (2003): a prisão de Sing Sing,
em Nova Iorque, nos Estados Unidos; uma
representação institucional do sistema prisional
daquele país, apresentada em um dos exemplos
para sua crítica da paisagem política, por meio
da cadeira elétrica de Andy Warhol: neste
mesmo local, na década de 1970 reúnem-se para
uma performance musical Joan Baez e B.B.
King – em uma crítica ao modelo imperialista e
de expansionismo armamentista do citado país.
Ocupando esse espaço de controle de corpos
marginalizados/encarcerados (uma posição
periférica em relação aos não-encarcerados,
distante do centro) Baez e sua irmã (Mimi
Fariña) cantam uma composição de Luis Rico,
Orlando Rojas, Victor Hugo Leaño, Pepe
Murillo, José Zapata e os irmãos Ernesto e
Lucho Cavour, a música Viva mi patria Bolivia.
Esse evento histórico é exposto aqui como
forma de exemplicar o questionamento
crescente das posições de poder dos estados
hegemônicos/dominantes/centrais e seu papel
de exploração no contexto global. E da potência
crítica/reexiva suscitadas pelas reformulações
históricas e epistemológicas insurgentes
nesse contexto representada por uma canção
hispanófona performada por cantoras (hispano-)
anglófonas em um país e espaço (da cadeia/
prisão) ocialmente anglófono, para uma
plateia composta em parte por hispanófonos/
anglófonos, e outros falantes.
Para uma discussão dos modelos arqueológicos
no âmbito brasileiro. Passa-se ao contexto de
reposicionamento de voz e perspectiva dos
contextos americanos em oposição aos centros
dominantes de poder, como forma de reconstruir/
revisar criticamente a história mundial/universal
contada sem a participação dos povos, pessoas
e países explorados/subjugados/colonizados
(e.g. Atalay 2012, Habu, Fawcett & Matsunaga
2008), é preciso lembrar histórias esquecidas/
apagadas.
As construções hipotéticas, analíticas e
interpretativas representadas em modelos,
apresentam caminhos a serem confrontados com
uma constante reformulação/reexão/revisão
dos dados empíricos/objetivos e subjetivos das
pesquisas do presente e do futuro. Não como
forma de comprovação de teorias, metodologias,
nem como uma necessidade intrínseca de
vericação ou validação dos modelos em si;
e, sim, como um tipo ideal/idealizado uma
possibilidade de continuidade do processo
de análise e interpretação no âmbito de uma
construção da história a partir do pensamento
hipotético-dedutivo de cunho arqueológico
(e.g., a discussão sobre a lógica dos conceitos/
fenômenos sociais em Goode & Hatt 1952).
Os modelos inscrevem e delimitam o
pensamento arqueológico nos caminhos,
restrições e interesses do/a(s) arqueólogo/a(s)
que os pensa(m). A denição de modelos está,
então, arraigada às perspectivas individuais (da
pessoa) e dos esquemas de pensamento situados
no corpo do arqueólogo que as/os professa.
Essas possibilidades circunscrevem-se muitas
vezes nos etnocentrismos e pensamentos
dominantes/hegemônicos/autoritários.
No contexto brasileiro e latino-americano,
estas ideias podem ser descritas em termos
eurocêntricos/etnocêntricos, em ideais de
blanquitud (v. Echeverría 2010:62), no
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entendimento do tempo da modernidade e do
espaço do mundo ocidental e dos centros de
poder/autoridade (e.g. Gallois 2004; Quijano
2014a/b).
Dene-se a necessidade ética de percepção
de uma realidade/materialidade do campo
arqueológico produzido a partir de realidades
distintas das dos povos originários e que
apresentam denições estranhas a cosmologias
e pensamentos indígenas/ameríndios (e.g.
Machado 2013; Silva 2002, 2012); percepção
que também deve ser estendida a contextos
das arqueologias contemporânea/do presente/
histórica/[particip-]ativa quando tratam das
narrativas periféricas, não-tradicionais dentro
do contexto hegemônico/central(ais), entretanto,
tradicionais em seus contextos locais/afastados.
A composição de uma história indígena demanda
uma construção epistemológica a partir dos
conhecimentos tradicionais das populações
americanas pré-/pós-coloniais e coloniais.
A arqueologia apresenta novas perspectivas de
análises e interpretações, como no caso de uma
autocrítica pós-colonial/decolonial, e como
geradora de outras arqueologias/paradigmas/
espistemologias: a exemplo, a arqueologia
indígena, etnoarqueologias, a reconstrução das
paisagens políticas/históricas/temporalizadas
(e.g. Silliman 2015; Smith 2003, 2011; Hamilakis
2016), e numa perspectiva historicista de longa
duração, que permite deslocar a análise e a
construção dos eventos de curta duração para a
questão indígena e das pessoas indígenas (Silva
e Noelli 2015).
Todavia, sofre com elementos sociopolíticos
associados ao sistema vigente de trocas
econômicas em âmbito global, centrado nas
apontadas divisões/distinções entre centro/
periferias.
São citados aqui como modelos explicativos
as ponderações emanadas pelos conceitos
de capitalismo, imperialismo, colonialismo,
neocolonialismo e neoliberalismo (e.g. Bambirra
2013; Santos dos 2011), e globalização (e.g.
Appadurai 2001; Canclini 2015; Santos 2006;
Singh, Zhang & Besmel 2012). Traça-se um
caminho de continuidade/persistência de
marginalização/exterminío das populações
originárias, uma desarticulação histórica
e destruição de seus modos de produção
tradicionais, e uma desarticulação de autonomias
políticas.
Uma primeira vericação/contraposição disso
na arqueologia pode ser representada pelo
abandono/questionamento do conceito de pré-
história para as Américas: uma história única,
colonizada, possibilitada pelo descobrimento/
encobrimento/conquista; marcada pela ausência
das narrativas das populações que aqui existiam,
e existem, muito antes da chegada do elemento
colonizador (e.g. Dussel 1994).
Torna-se um elemento referencial de uma
epistemologia do passado, sempre importante
para uma compreensão histórica da produção
do conhecimento cientíco (ou não), quando
confrontado com a história daqui e pode ser,
a exemplo, reformulado como outro grande
divisor, pré-/pós-colonial. É, portanto, uma
denição da história americana como autônoma,
que não começa a partir da história europeia/
colonial no continente americano.
Cabe ainda destacar a universalidade histórica
da realidade americana na composição das
bases da exploração (pré-)capitalista a partir dos
eventos resultantes do colonialismo europeu nas
Américas. Apresentado em Marx (2019), como
um elemento crítico/analítico para o que viria
a ser a base de retomada e desenvolvimento
das sociedades hegemônicas contemporâneas,
por meio da exploração das riquezas daqui,
e da interrupção irreversível das histórias
socioculturais de seus povos originários
(ingerência ibérica/europeia).
A dominação colonial europeia e os movimentos
(pós-)coloniais resultantes produziram uma
reestruturação dos modelos de desenvolvimento
locais. Novamente, este movimento caminha em
contínua destruição/exploração das populações
originárias, éis ao objetivo estabelecido na
conquista americana (Dussel 1994; Quijano
2014a/b).
O momento pós-colonial trata de uma discussão
de espaços de poder entre elementos multi-/
pluriétnicos que compõem o panorama atual
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das culturas e sociedades ocidentais periféricas,
materializadas nas histórias locais dos países/
pessoas latino-americanos(as). Histórias até
hoje encobertas por narrativas dominantes e
direcionadas aos interesses hegemônicos.
Uma das imagens fortes das décadas de 1970/1980
trata da ingerência do governo brasileiro sobre
o povo Panará (Valente 2017:158) somam-
se aos relatos sobre a resistência Panará
perante os conitos com a sociedade nacional/
tradicional brasileira, de expansão das fronteiras
de ocupação no sentido sudeste-noroeste, ao
sertão e interior do país, ao centro brasileiro e
Pará (Barbosa 1918; Ewart 2015; Giraldin 1997;
Mead 2010; Schwartzman 1992).
A migração dos Panará, “aqueles que estão
humanos”, vindos do leste, “da base do céu, de
onde o sol se levanta para nos iluminar”, depara-
se com os não-indígenas avançando na direção
noroeste assim como mencionado no Protocolo
de consulta do povo Panará (Associação Iakiô
2019:8-14, 24, 28-32; documento de consulta
observando a convenção de 1989 da Organização
Internacional do Trabalho).
As arqueologias anticoloniais e as que reetem
sobre o colonialismo, e a colonialidade (v.
Quijano 2014a/b; como proposta de história de
longa duração, contínua, do passado ao presente,
em substituição a um grande divisor pré-/pós-
colonial), aprofundam essa análise dando voz
e vez aos grupos indígenas e demais grupos
não hegemônicos, bem como as sociedades
hegemônicas nacionais latino-americanas
(periféricas ao contexto do oeste como [re]
conguradores de suas próprias histórias, até
então mascaradas pelas narrativas de poder das
sociedades dominantes. Permite uma construção
paralela e múltipla de historiograas que
partem de paradigmas não coincidentes com as
construções ocidentais/tradicionais.
Em exemplo, nos três séculos de colonialismo
(de longa duração/contínuo; seja pelo
neocolonialismo/imperialismo, seja pela disputa
política indígena/não-indígena nesse caso,
somando-se ainda mais de dois séculos): o peso
dos paradigmas ocidentais na América Latina
é bem representado na discussão espanhola
sobre a escravização das pessoas indígenas pré-
colombianas, Valladolid nos anos 1550/1551; e,
o privilégio do atlântico norte e mediterrâneo
(cf. Braudel 2009; Peurcell 2005; Silliman
2015), sobre o pensamento a sul do atlântico e
pacíco. Uma autonomia política de decisão/
escolha em contextos nacionais é propiciada a
partir de uma descentralização da historiograa
universal e um novo foco nas histórias locais das
populações daqui (de modo crítico/reexivo).
De modo inverso, também não existe crítica
possível ao entendimento de uma construção
do pensamento arqueológico (as)simétrico/
participativo/colaborativo/anticolonial/pós-
colonial sem considerar a inuência dos fatos
da conquista europeia sobre este continente
elemento fundador do mundo contemporâneo:
a remodelação das histórias locais a partir da
destruição dos impérios/sociedades/culturas
americanas, assim como pontuados por Marx
(2019) para a conquista do México e do Peru;
a destruição dos modos de produção locais (v.
Quijano 2014a/b); a construção dos processos
de dependência latino-americanos a países
distantes (Bambirra 2013: Bomm 2013; Santos
dos 2011); a(s) historiografía(s) indígena(s)
contemporânea(s)/pós/-contato/-coloniais(al).
Para uma alternativa aos povos latino-americanos,
à nossa realidade/materialidade histórica: uma
consideração da perspectiva histórica indígena
do passado pré-colonial. Disciplinas como a
arqueologia, antropologia e linguísticabebem
das cosmologias e perspectivas indígenas/
ameríndias. Os povos daqui, muitas vezes tidos
como ágrafos, principalmente, no sentido de que
seriam incapazes de transmitir suas histórias
locais, colocam em xeque essa concepção diante
da potência dos campos revelados em estudos
como os de tradição oral (e.g. Cesarino, 2020;
Gallois 1994).
Nas décadas recentes, estes estudos
baseiam-se em uma catalogação/análise de
elementos linguísticos/sociolinguísticos como
possibilidades de tangenciar as formas do
pensamento tradicional/indígena, bem como
dados para a composição da própria história
indígena em si (e.g. Barros s.f. [2005]; Braga et
al. 2011; Martins et al. 2015; Moore & Storto
Luis Henrique Albernaz Sirico
CHAKIÑAN. Revista de Ciencias Sociales y Humanidades / ISSN 2550 - 6722 225
2002; Nikulin 2020), que se desdobra hoje no
Brasil em 274 línguas autodeclaradas (Instituto
Brasileiro de Geograa e Estatística 2010),
aproximadamente 150-160 línguas considerando
o cálculo de Glaucio, Moore & Voort van der
(2018).
A análise linguística e o trabalho antropológico
contemporâneo permitiram, para a composição
de gramáticas e sintaxes indígenas (e.g. Seki
2000), uma compreensão maior da potência do(s)
pensamento(s) de ao menos 305 grupos indígenas
que habitam o Brasil. Estes emprestam(ram),
ao longo dos séculos, seus conhecimentos/
perspectivas tradicionais à cultura tradicional/
hegemônica brasileira (e.g. Barbosa & Devos
2017; Fagundes 2019; Sautchuck 2007).
Essas novas possibilidades confrontam e
desconstroem diversos modelos tradicionais
da arqueologia, e permitem a construção de
outros novos, centrados em perspectivas mais
adequados aos contextos indígenas e de suas
historiograas especícas (e.g. Cabral 2014;
Fausto & Heckenberger 2007; Green, Green &
Neves 2003; Hornborg & Hill 2011; Neves 1999,
2006; Santos-Granero 1998; Silva 2002, 2012;
Whitehead 2003) – e inspiram novos caminhos,
como os bien vivir/sumak kawsay/suma qamaña/
teko porã (Bolivia, 2009; Ecuador, 2008; v.
Quijano 2014b).
Sucede-se a essa reexão dos contextos locais
indígenas: como forma de conceber a realidade
sociocultural assim como ela é, ou de encurtar/
aproximar essa distância/percepção/assimetria.
Com base numa etnografía (v. Castro de
1996) e no contexto dos materiais amazônicos
acumulados até a década de 70 do século XX,
a antropologia brasileira produz um conceito
interessante, suscitando reexões sobre os
contextos de construção das histórias locais,
por meio da tradição oral e do entendimento
das línguas indígenas conceitual, semântico,
linguístico, e em questionamento aos parâmetros
ocidentais de interpretação da realidade do
mundo – o perspectivismo ameríndio.
O perspectivismo apresenta uma nova forma
de interpretação da realidade local por meio
de uma transição interpretativa de elementos
associados ao corpo/cultura, passando à crítica
do multiculturalismo, um paradigma antecessor,
como ainda sendo uma interpretação etnocêntrica
das realidades amazônicas, para então propor
uma discussão multinatural, estabelecida a partir
de cosmologias/pensamentos não ocidentais,
ameríndias(os) (i.e. Seeger, DaMatta e Castro
de 1979).
Essas novas possibilidades remetem a uma
reinterpretação dos modelos arqueológicos,
por meio de uma crítica/ruptura aos modelos
construídos no passado, e como movimento/
deslocamento/transformação de suas propostas/
olhares (por muitas vezes tidos como sistemas
nais e universais de interpretação) para lugares
intermediários de construção do conhecimento
arqueológico hipotético/dedutivo; devem ser
inevitavelmente confrontados e regulados/
redenidos por meio e à luz de informações
ainda não disponíveis para as histórias
socioculturais locais e de dados empíricos ainda
não evidenciados pelas pesquisas arqueológicas,
elementos que estão sempre em processo de
construção.
Em síntese, a crítica à arqueologia no âmbito
dos paradigmas coloniais são caminhos para
uma autonomia das pessoas, povos, culturas
e histórias não-dominantes, por meio de
uma discussão sobre subdesenvolvimento/
dependência, auto-armação/soberania,
políticas públicas, identidade/etnicidade,
territórios/territorialidades, histórias/culturas
locais, dominação/submissão/escravização,
decolonialidade/descolonização, patrimônio
cultural, etc. suas transformação(ões)/
continuidade(s)/hiato(s).
É preciso pontuar ainda a questão das
continuidade e mudança socioculturais, talvez
para além da teoria arqueológica: considerando
a interessante perspectiva da posição do
arqueólogo/pesquisador como ego de seu próprio
campo, em um sentido etno- de sua pesquisa, e
de mesmo modo, sua posição como pesquisador
em um contexto de pesquisa alter, de outro ao
seu próprio (alteretno-) – diante dessas posições
de distância, proximidade e pertencimento,
relacionam-se pontos de uma continuidade no
olhar de um ego etno-, e de outro lado, a tradução
MODELOS ARQUEOLÓGICOS E AMÉRICA LATINA: UM PONTO DE PARTIDA
Número 17 / AGOSTO, 2022 (217-234) 226
como mudança no olhar de um outro/alter, que
não vivencia o cotidiano, a história local, em
longo prazo, mas como interceptações e vivências
curtas, e, no caso especíco da arqueologia, dos
limites das informações possíveis e extraíveis da
materialidade dos estratos arqueológicos de um
passado distante.
Voltando, podem ser citados como exemplos
as experiências epistemológicas relacionadas
à atuação de pesquisadores no âmbito das
ciências humanas e sociais para uma crítica
do acesso à autonomia política pós-colonial/
da colonialidade, considerando a construção
do conhecimento compartilhado pela interação
humana e a proposta do presente artigo, curvar/
apreender sobre o/pelo olhar do outro:
a) a experiência de Melo (2010:69, 71) ao se
deparar com seu campo de estudo (apresentado
ao pesquisador por seu detentor, Martinho
Penõ), diante das possibilidades de interpretação
discutidas no caso do machado semilunar Krahô,
a kàjré, recuperado(a) do acervo do Museu
Paulista;
b) os objetos sagrados no acervo policial do
Museu da Polícia Civil constituídos em tentativas
de interrupção das práticas afro-brasileiras com
base nos códigos penais vigentes à época em
casos no Rio de Janeiro, a partir do encontro de
Pereira (2017) com Mãe Meninazinha de Oxum,
ialorixá do Ilê Omulu Oxum, no bairro de São
Matheus, município de São João de Meriti/RJ;
c) o diálogo de Dona Luiza e Neguinha relatado
por Amaral (2019) a fome e o acesso à água
contados por uma das loiceiras, mulheres
ceramistas da região do agreste do estado de
Pernambuco, Brasil, interlocutoras de sua
pesquisa e intermediadoras de seu olhar sobre as
loiças, potes e panelas em seu estudo;
d) a experiência reexiva da prática arqueológica
de Garcia (2017:130) durante uma caminhada
com pessoas Asurini do Xingu em direção às
suas aldeias antigas;
e) as arqueograas do Projeto Anhanguera de
Arqueologia de Goiás centradas na materialidade
do registro arqueológico (Andreatta 1982;
Martins, Breda & Pontim 2003; v. Oliveira
de & Viana 1999/2000), verticalidades
e horizontalidades, temporalidades
administrativo-acadêmicas/políticas/público-
governamentais, epistemologias anglófonas,
lusófonas e francófonas à luz de uma prática
arqueológica local;
f) as sinuosidades expressas na percepção do
olhar de Vilaça (2018, 2019) para as idas-e-
vindas da/o evangelização/cristianismo entre o
povo Wari’ e seu pai indígena, Paletó;
e ainda, g) os trabalhos relacionados às políticas
públicas das últimas décadas para a inclusão de
pessoas indígenas nos meandros acadêmicos
algo que têm potência para a formulação de
paradigmas completamente desvinculados de
um pensamento ocidental local/tradicional/
hegemônico/dominante/ingerente sendo
citadas aqui, o panorama da reexão intelectual
de pesquisadores formados em algumas
universidades federais do Brasil Central: Abdzu
(2020), Apinagé (2017), Apinajé (2019), Javaé
(2019), Juruna (2013), Karajá (2015), C. Krahô
(2017), L. Krahô (2016), A. Xerente (2020), E.
Xerente (2016), J. Xerente (2020) e V. Xerente
(2020).
A vocalização da perspectiva indígena por meio
da pesquisa arqueológica (e intermediada por
uma agente) é muito bem exemplicada na
reinterpretação da estratigraa arqueológica
apresentada em Cabral (2014:98-99) onde
descongura-se o contexto tradicional de
interpretação dos estratos arqueológicos à luz da
realidade Wajãpi vivenciada pela pesquisadora:
Passados cinco meses, eu reencontro
Aikyry em outra ocina na terra indígena.
Preocupado, ele me conta que teve
diculdades para explicar para os velhos
a estratigraa. Ele queria explicar para
eles como os arqueólogos sabem que
aquilo que está no fundo da terra é antigo.
No entanto, para os velhos, como ele me
ensinou, o antigo não devia estar no fundo,
pois “a terra está sempre crescendo”. Para
me explicar, ele fez uso da imagem de
uma árvore: começa com uma pontinha,
um talo, uma folha, e vai crescendo, vai
subindo a folha: a parte de cima da árvore é
a mais antiga. Assim como a árvore, a terra
ao crescer leva para cima as coisas mais
Luis Henrique Albernaz Sirico
CHAKIÑAN. Revista de Ciencias Sociales y Humanidades / ISSN 2550 - 6722 227
antigas.
Dispõem-se em uma perspectiva de discussão dos
elementos tradicionais das ciências humanas e
da arqueologia a partir dos contextos especícos
dos campos abordados por esta disciplina,
numa possibilidade de construção dialógica do
conhecimento acadêmico e prossional, com
compromisso ético e de acesso à manifestação/
posicionamento político de pessoas e grupos/
comunidades/povos até então excluídos do
discurso/narrativa dominante/persistente.
Pensando sobre as relações corporais e
individuais no âmbito da atuação prossional,
para a apreensão da experiência e atuação
prática, parece interessante a perspectiva de
Canclini (2015:346-347, 350), centrada na
cultura, história e antropologia, a partir de uma
ideia em Merleau-Ponty – a da obliquidade.
Os modelos arqueológicos podem ser
revisitados como possibilidade(s) hipotética(s)
de construção dos próximos passos/caminhos
do pensamento arqueológico, questionados e
interpretados no âmbito das culturas locais às
quais eles se referem.
Tornam-se espaço para a ampliação da reexão
permitindo uma discussão mais próxima dos
anseios de participação e inclusão das pessoas
indígenas, e dos demais grupos excluídos e
afastados, em seus processos de construção
(e continuidade) e interpretação de suas
próprias histórias e narrativas, em paralelo/
oposição/transversalidade/ortogonalidade/
diametralidade/obliquidade, posições (as)
simétricas e questionadoras aos modelos de
desenvolvimento nacional, inserindo esses
grupos no corpo da discussão maior, permitindo
sua atuação política e sua autonomia.
Bem como abre e desata espaços/caminhos
para uma reformulação da sociopolítica local
considerando os contextos geopolíticos/
econômicos inter-regionais.
Direciona ainda a uma perspectiva de
transformação: desconsiderando uma história
sem-os-indígenas e sem-os-grupos distantes/
marginalizados, inserindo-os como sujeitos
presentes, próximos e incluídos nas decisões
e escolhas, com possibilidade de voz como
proposta de (re)organização política discutida
e realizada cotidianamente, e com ampla
percepção/discussão sobre o conceito de tempo
(e.g. Gnecco & Dias 2017; Gnecco & Rocabado
2010).
Os modelos arqueológicos apresentam um
problema e um vigor analítico. Demandam
uma reexão crítica, que potencializa a análise
da materialidade da história, da cultura, das
pessoas, onde a arqueologia trabalha: permitindo
e promovendo a antecipação de novos caminhos
para a interpretação e obtenção de dados
arqueológicos.
Entretanto, seu caráter ideal deve ser considerado
como um problema, quando confrontado por uma
realidade historicista que é um modelo em si,
uma percepção alterada da realidade apresentada
pelo arqueólogo, que deve ser entendida como
uma representação parcial/inacabada/analítica/
preparatória/restrita, a ser identicada/traduzida
pela materialidade e temporalidade da dinâmica
sociocultural a qual ele remete.
Por m, cita-se aqui um exemplo de possibilidade
de uso de modelos arqueológicos dentro desse
panorama reexivo contemporâneo caminho
indicado em Ensor (2013), Hamberger (2018),
Souvatzi (2017) e Tjon Sie Fat (1990) para
os estudos de parentesco como estruturas
políticas complexas, em direta oposição aos
modelos tradicionais adotados pela arqueologia
brasileira, para uma tipologia da organização
sociopolítica do passado indígena.
Modelos interpretativos hipotéticos,
considerando as possibilidades de materialização
dos contextos de organização coletiva,
representados pelo registro arqueológico de
famílias e grupos de famílias em um contexto de
uma ocupação humana, uma aldeia conceitos
elementares inicialmente apresentados nos
primeiros estudos antropológicos britânicos,
retrabalhados para o contexto americano pelo
estruturalismo levi-straussiano, e mais recente,
problematizados no âmbito do perspectivismo
amazônico e seus sistemas especícos de
parentesco (Souza & Fausto 2004) essas
representações fornecem subsídios para uma
MODELOS ARQUEOLÓGICOS E AMÉRICA LATINA: UM PONTO DE PARTIDA
Número 17 / AGOSTO, 2022 (217-234) 228
reinterpretação do registro arqueológico
brasileiro, a partir dos casos de antigas aldeias
arqueológicas e sua distribuição de casas
e estruturas associadas, considerando uma
perspectiva de organização sociopolítica e
socioespacial e de estruturas de poder/autoridade
e interação humana.
Algo explorado no passado no âmbito do
trabalho de Wüst (1998), e que hoje se apresenta
diante de uma nova materialidade conhecida,
estudada.
CONCLUSÕES
A revisão exploratória aqui apresentada perpassou
bibliograa pontual (e de partida) centrada nas
experiências e práticas do empreendimento
da produção de conhecimento cientíco de
paradigmas epistemológicos de prossionais/
trabalhadores, arqueólogos e outros, professados
no centro-sul brasileiro.
Uma nova produção de conhecimento e prática
prossional estabelece-se em consideração
reexiva e historiográca do passado, e em
associação com os contextos/realidades/
materialidades de múltiplos outros.
Para além dos modelos (arqueológicos ou não),
é preciso considerar uma perspectiva histórica
individual da experiência prossional: como
construção especíca guarnecida/abastecida de
um saber-fazer/-pensar/-reetir de uma prática –
existe um amplo percurso entre professar ideias
relacionadas a paradigmas/espistemologias
determinados/as, a agência sobre o corpo
do trabalhador/pesquisador e sua atuação/
realidade/prática prossional cotidiana, como
as representações apresentadas pela perspectiva
histórica latino-americana (Gonçalves 2016;
Gonzalez 1988; Quijano 2014a/b).
Existe uma perícia/especialização/competência/
habilidade/capacidade/distinção que se restringe
a cada experiência sendo então innitas suas
contribuições em contextos/práticas voltadas
para o outro/a alteridade.
E, existe um campo contínuo na arqueologia de
apreensão da realidade do outro (do passado) a
partir de sua materialidade no presente parece
também lógica, uma capacidade arqueológica
implícita de reexão sobre a materialidade da
produção do conhecimento arqueológico por
meio da experiência/prática de seus pares.
Da América Latina, como local e ponto de partida
dessa experiência humana, onde se estabelecem
histórias e identidades: cabe dejar de ser lo que
somos(Quijano 2014b:828), e descobrir quem
somos.
DECLARAÇÃO DE CONFLITOS DE
INTERESSES: O autor declara não ter conitos
de interesses.
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